No âmbito do Laboratório de Avaliação da Qualidade Educativa (LAQE), estrutura funcional do Centro de Investigação Didáctica e Tecnologia na Formação de Formadores (CIDTFF) da Universidade de Aveiro, foi criado, em Março de 2007, o presente blogue onde são colocadas, notícias da imprensa da área da Avaliação Educativa. Esta recolha tem como principal finalidade avaliar o impacte, nos mass media, das questões de avaliação educativas.

A má fortuna dos claustros universitários

07 de Julho de 2007, O Primeiro de Janeiro

Rui Baptista*, Ex-docente da Universidade do Porto

“Tenho medo das pessoas que acham que podem, da noite para o dia, agarrar a sociedade, torcer-lhe o pescoço e fazer uma nova.” (Fernand Braudel)
Começa a ser deveras preocupante e muito complicado acompanhar o dia-a-dia de uma crise que se instalou, de armas e bagagens, no ensino superior nacional com soluções para as calendas gregas ou, em contrapartida, tão rápidas que pecam por não serem meditadas nas suas verdadeiras implicações.Como escreveu um poeta da pátria de Racine, “com ratos em cima do telhado e pássaros na cave”, em nome de “direitos adquiridos” é dada generosa guarida a situações escandalosas, nadas e criadas em conturbados períodos de desvario revolucionário ou em suas sequelas, em defesa dos quais logo acorre belicosa a guarda pretoriana encarregada de proteger fortes lóbis ao serviço de interesses bastardos dos seus beneficiários. Do atrito que emperra a máquina do Estado, os problemas que se passam no ensino superior não público e diplomas por si outorgados (em que a Universidade Católica e o ISCTE, por exemplo, são excepções) com avanços, recuos ou simples marcar passo na respectiva solução. Desnecessário nos parece apresentar casos concretos que se tornaram públicos, através das páginas dos jornais e écrans de televisão. Outro exemplo da acefalia ou falta de visão de alguns governantes reside na autorização de funcionamento de cursos superiores a simples pedido ou exigência de populações de grandes, médios ou até pequenos burgos com o poder reivindicativo que lhes advêm de serem berço de nascimento de personagens ilustres com assento parlamentar ou em elevadas cargos. “Last but not least”, outro caso que dá que pensar fixa-se na confusão normativa que se instalou nas subtis diferenças entre os ensinos universitário e politécnico em que o legislador, em textos de linguagem prolixa, mal formulada e mal redigida, parece ter pensado o que não escreveu ou ter escrito o que não pensou. Esta falta de clareza, intencional ou não, traz à memória a história contada pelo romancista espanhol Pio Baroja de um ministro seu compatriota que virando-se para o seu secretário o adverte: “Senhor Rodriguez, veja lá se a lei está redigida com a suficiente confusão!”Pela actualidade da nova proposta de lei do Ensino Superior, que tanta tinta já fez correr e, porventura, fará ainda mais, debrucemo-nos agora sobre acontecimentos em que se revigoram as críticas de discentes das universidades públicas perante a má fortuna que se pode abater sobre as actuais e vindouras gerações de estudantes, reagindo publicamente a um modelo de gestão escolar que lhes diminui o poder de representação e decisão escolar. Em outra barricada, a luta dos docentes universitários desfralda a bandeira da ameaça que paira sobre a coesão das faculdades relativamente à sua matriz e dela fazem clarim da revolta. Numa das suas objecções a esta lei o constitucionalista Jorge Miranda declara: “A possibilidade de uma instituição dentro de uma universidade, por exemplo o Instituto Superior Técnico, se transformar numa fundação, faz com que as faculdades que, virtualmente, têm maior projecção ou sejam mais ricas possam deixar as universidades, originando o seu desmembramento” (Revista “Sábado”, n.º 165 – 28 de Junho a 4 de Julho de 2007) . Tempos atrás, em antecipação ao futuro, escrevemos: “Assiste-se a um certo desencanto pela sombra tutelar da universidade, a ponto de se ouvir que o Instituto Superior Técnico (IST) tem manifestado a vontade de se tornar uma escola independente da Universidade Técnica de Lisboa. Pensamos que essa intenção se manifesta nos anúncios que faz publicar na imprensa apresentando-se como IST, ‘tout court’. Em contrapartida, todos os outros institutos superiores ou faculdades desta universidade, antecedem à respectiva designação o nome da instituição universitária a que pertencem”(“Diário de Coimbra”, 13 de Novembro de 2004). Desta forma, a nova lei do Ensino Superior corporiza uma ambição antiga do IST que Mariano Gago, ministro de Ensino Superior e seu catedrático, aproveita para apadrinhar na pia baptismal da Assembleia da República sem a água benta das bancadas da oposição.Bem mais venturoso seria este país, afogado em vagas de textos de natureza jurídica, se os verdadeiros responsáveis por este “statu quo” dedicassem o tempo necessário, que se não compadece em atar leis e pô-las ao fumeiro parlamentar, a reflectirem sobre este excerto de prosa de Mario Perniola, professor de Estética da Universidade de Roma: “Os fautores da tradição que apelam para os valores, para o classicismo, para o cânon, são postos fora de jogo por esses funâmbulos, esses equilibristas, esses acrobatas, que também querem ser eternizados no bronze e no mármore”.E porque “nas costas dos outros lemos as nossas”, conveniente será para o país que os claustros universitários se não deixem levar pelo canto de sereia que, através do “reducionismo às técnicas pedagógicas” (na feliz expressão de Schulman), atraiu a seus escolhos os ensinos básico e secundário. Aliás, facto fortemente criticado pelo académico Carlos Fiolhais, quando escreve que“ Wilson [Edward Wilson, no seu livro “Consilience – The Unity of Knowledge,1998], defende a actualidade nos dias de hoje desse sonho iluminista (o título ‘consiliência’ designa precisamente a desejável união das ciências), em contraste nítido com as ideias românticas, relativistas ou pós-modernas que ignoram ou desprezam o valor da ciência”.Assim, não podemos deixar de temer que um exagerado centralismo na “arte de ensinar”, na ainda experimental implementação do Processo de Bolonha em território nacional, traga consigo resultados mais ou menos negativos para a ciência e investigação científica indígenas. Razão mais que suficiente para que o reduto do conhecimento universal tome medidas contra ventos ciclónicos que sopram de países anglo-saxónicos na direcção de uma mudança brusca, radical e desadaptada a paradigmas nacionais de ensino superior. Podendo, com isso, abalar seriamente os sólidos caboucos multisseculares culturais, humanísticos e científicos da Universidade Portuguesa.

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