No âmbito do Laboratório de Avaliação da Qualidade Educativa (LAQE), estrutura funcional do Centro de Investigação Didáctica e Tecnologia na Formação de Formadores (CIDTFF) da Universidade de Aveiro, foi criado, em Março de 2007, o presente blogue onde são colocadas, notícias da imprensa da área da Avaliação Educativa. Esta recolha tem como principal finalidade avaliar o impacte, nos mass media, das questões de avaliação educativas.

A Escola e os computadores

20 de Setembro de 2007, O Primeiro de Janeiro

* Rui Baptista
Segundo palavras da ministra da Educação, na abertura solene deste ano lectivo na escola secundária Francisco da Holanda, em Guimarães, “está a fazer-se uma “revolução silenciosa nas escolas portuguesas”. Revolução silenciosa? Quando se mobiliza todo o “staff” governamental para cerimónias de pomba e circunstância com empolados discursos? E se anunciam miríficas novidades, como o alargamento da escolaridade obrigatória para 12 anos (já em 2009), enquanto países europeus bem mais desenvolvidos se contentam com metas menos ambiciosas?Embora não seja propriamente uma novidade de tão badalada ter sido a notícia nos últimos tempos, julgo que com o intuito de nos tirar da cauda da Europa em aproveitamento escolar e qualidade de ensino deveras calamitoso – como deixou escrito no “Jornal das Letras” (n.º 964, de 12 a 25 de Setembro de 2007) o meu bom amigo, Eugénio Lisboa, “para tudo isto os sindicatos têm dado uma eficaz mãozinha, não raro interferindo, com desenvoltura, em áreas que não são, nem da sua vocação, nem da sua competência” - mesmo sem estarmos em época natalícia, aí temos o governo a pôr nas chaminés das escolas secundárias, a um “preço simbólico”, segundo ele próprio, milhares e milhares de computadores portáteis com o destino já traçado na palma da mão: “Vou aproveitar o portátil para fazer trabalhos, para pesquisar na Net, e comunicar e jogar”, declara um aluno na ocasião.Ou seja: 1) É mais rápido e menos trabalhoso pôr o computador a despejar baldes de lixo de informação do que ir à biblioteca consultar umas tantas páginas de livros ou ler em casa boas obras literárias; 2) Para que a escola não seja demasiado maçadora há que transformá-la num recreio do tipo do “gato e do rato”, pondo os professores a correr atrás dos alunos para descobrir se os trabalhos são plagiados ou brotaram de cabecinhas fora de série; 3) Pesquisar na Net, pode ser uma arma de dois gumes: pode pesquisar-se o que se deve e o que não se deve, pondo nas mãos dos jovens essa triagem e essa responsabilidade num período da vida escolar deveras perigoso porque marca a transição de um ensino básico permissivo para um ensino secundário que se tem sabido manter firme no seu exigente papel de antecâmara do ensino superior; 4) As horas que deviam ser dedicadas ao estudo correm o risco de se transformarem em “conversas da treta” com os colegas; 5) Quanto ao aspecto lúdico: joguem meninos, joguem sem parar pois como diz a canção “a vida é uma tômbola”. Quantas vezes, com um pouco de sorte, um fato de bom corte e um cuidado corte de cabelo não substitui com vantagem um diploma académico? Razão tinha Eça: “Em matéria social, é o rótulo impresso na garrafa que determina a qualidade e o sabor do vinho”.Estou a ser pessimista? Receio bem que não! Apenas defendo que as melhores ideias, se mal aplicadas, transformam-se em péssimas ideias: o domínio das novas tecnologias de informação são um bem precioso, mas como não há bela sem senão entregar nas mãos ávidas dos jovens a Net no princípio de um ano escolar de acrescida exigência, e para mais de supetão, tem riscos evidentes que importa sopesar com cuidados redobrados.João Gabriel Silva, presidente dos conselhos directivo e científico, da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC), na sua participação na “Conferência Internacional sobre o Ensino da Engenharia”, reunindo centenas de cientistas de 57 países diferentes, chamou a atenção para os perigos que se fizeram guarida neste “Admirável Mundo Novo”:“Quando se está num cenário em que ‘a atitude activa e procura de conhecimento não é a coisa mais natural’ surge um desafio: ‘Como conseguimos combater, ir mais longe, ensiná-los [aos alunos] a fazer coisas mais sofisticadas, em ter gosto em aprender, apesar de todo o lixo que existe na Internet?’A FCTUC começou já a adoptar algumas medidas. Há já dois anos que ‘uma pessoa que seja apanhada a plagiar o que quer que seja – pode ser só um parágrafo num trabalho que vale dois valores – está reprovada à disciplina, liminarmente’, sublinhou o professor.As pessoas vão à Internet, descarregam três ou quatro tretas sobre um assunto qualquer, cuja veracidade nem sequer investigam com detalhe, juntam aquilo, mandam imprimir a cores e já pensam que fizeram uma grande coisa e, na realidade, fizeram uma porcaria’, exemplificou” (“Diário de Coimbra”, 4.Set.2007).Tem sido atribuído ao ensino secundário o importante papel de preparar os alunos para a entrada no ensino superior. Passa agora a ter um papel acrescido: pôr os respectivos alunos a navegar na Internet a todo o pano sem uma bússola ética que impeça o naufrágio em traiçoeiras águas pejadas de escolhos pouco recomendáveis (releve-se o pleonasmo)! Mas o mais espantoso de toda esta propaganda governamental em que se atiram foguetes para o ar e se apanharam as canas do chão foi uma tirada genial da ministra da Educação numa ocasião em que o número dos licenciados desempregados em Portugal não pára de crescer em desrespeito pelo esforço que os cidadãos fazem com o pagamento de impostos cada vez mais elevados para manter e até fazer crescer uma enorme, tentacular e complexa máquina de fazer diplomas de ensino superior como quem fabrica moeda falsa ou dinheiro em papel sem corresponder ao seu valor facial. Que tirada genial é essa? Esta: “Tem de ser a escola a ir buscar jovens ao mercado de trabalho e não o contrário” (sic.). Fica assim a saber-se que para além do ensino superior que criou baiucas de mediocridade espalhadas, desproporcional e despropositadamente, por todas as parcelas deste pequeno país – haja em vista o escandaloso acesso ao ensino superior a maiores de 23 anos! – podem elas e escolas de outros graus de ensino dormir sossegadas: clientela não lhes há-de faltar. Entretanto, pelo incumprimento do programa eleitoral do governo de um aumento sustentado do mercado do trabalho, o pesadelo dos licenciados nas garras do desemprego está para ficar e durar. E crescer até!

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