Ensino superior, e agora?
2 de Setembro de 2007, Diário Económico
As ofertas decorrentes da reformulação de Bolonha serão testadas e a sociedade civil começará a indicar quais são as suas opções.
A inteligência do visionário é ser económico. Em vez de tentar condicionar os detalhes é-lhe suficiente alterar algumas das ‘guide lines’ determinantes e esperar que os sistemas forçosamente se reajustem ou não. No regime jurídico o legislador claramente especificou a vocação binária que o ensino superior deve prosseguir, ou seja formação científica sólida vocacionada para o ensino e investigação (o universitário) e ensino vocacional e mais profissionalizante (o politécnico). A primeira clarificação essencial foi feita. Ao corporativismo da gestão académica actual, introduz o legislador duas componentes complementares fracturantes, uma reconstituindo os órgãos de gestão obrigando ao envolvimento de uma representação exterior à própria universidade; a outra de efeito aparentemente mais indirecto (mas mais eficaz) e que corresponde a fazer incidir no modelo de financiamento a rentabilidade das instituições (quantos entram e quantos saem e se se consegue que os estudantes aprendam efectivamente) e também criando a expectativa (ver o artigo 29ª) de que os dados referentes à empregabilidade dos licenciados (o Estado prescindirá do seu papel regulador? Aceitará financiar igualitariamente cursos que produzem licenciados essenciais para o funcionamento da sociedade e os que confrontam os licenciados com a inexistência de emprego?), o resultado das acreditações e avaliações (pedagógicas e científicas) das instituições do ensino superior e dos seus ciclos de estudos, possam também influir positiva ou negativamente nas dotações orçamentais. E será aqui que muito se irá decidir. As instituições serão chamadas a estruturar-se e a adoptar mecanismos de gestão adequados às mutações rapidíssimas e ao clima de competição directa que vai ser instituído. Terão que tomar decisões dolorosas (que cursos terminar, que departamentos reestruturar, que politica para eventuais excedentes humanos em áreas sem alunos ou com alunos sem empregabilidade). A forma de gerir recursos terá que abandonar o corporativismo, o favorecimento (vota por mim agora que eu votarei por ti depois), e mesmo a pura incompetência, sob pena da instituição poder sucumbir. O paradigma de que ao voto não está associada a responsabilização individual e consequências, é já hoje um fóssil em termos de gestão que responsabilize. E contudo, é ainda o modelo dominante nas instituições universitárias. A decisão terá que ser mais rápida e eficaz. Competências hoje exercidas por órgãos separados poderão/deverão ser unificadas (Director, Presidência de Conselho científico e mesmo do Pedagógico). O diagnóstico relativo à situação actual é obrigatório. A forma mais directa de cada instituição medir o seu afastamento de uma gestão de rigor poderá ser traçar uma radiografia actual da distribuição de recursos essenciais e utilizando índices normalizados calcular o que deveria ser (lugares do quadro, nº de docentes e funcionários, espaços distribuídos, cursos em funcionamento e com que alunos etc). Sem surpresa as instituições perceberão que a grande parcela dos custos incide no pessoal, particularmente o docente e em muitos casos há situações incoerentes e inaceitáveis. Sejamos claros, sem condicionantes impostas do exterior, só por milagre a instituição universitária se auto reformaria. Possivelmente só pelo condicionamento financeiro tomará medidas indispensáveis, incluindo a adopção de boas práticas de gestão e a procura de uma maior qualidade integrada. Daqui a um ano nada deverá estar na mesma. As ofertas decorrentes da reformulação de Bolonha serão testadas e a sociedade civil começará a indicar quais são as suas opções. As instituições estarão mais aptas a avaliar se desejam continuar no modelo de ligação ao Estado tal como existe ou se consideram que para responder aos desafios da competitividade terão que explorar o modelo fundacional. Enfim, algum universo de incerteza existirá, mas não se cometa a imprudência de atrasar as reestruturações incontornáveis. É por aí que passa o futuro.
Adolfo Steiger Garção, Professor catedrático da Faculdade de Ciências e Tecnologia da UNL e membro do painel Ciência e Sociedade
2.9.07
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Ensino Superior
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