Desprezo pela educação
7 de Março de 2008, Diário Económico
A famosa “gestão democrática” foi uma das responsáveis pela degradação da qualidade do sistema e tem de acabar.
João Cardoso Rosas
Há muitos exemplos que ilustram o profundo – embora inteiramente inconsciente – desprezo do actual Governo pela educação formal. Um desses exemplos é o “Sistema de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências” no âmbito do programa “Novas Oportunidades”. Esta “certificação de competências” permite obter os diplomas do 4º, 6º, 9º, ou mesmo do 12º ano de escolaridade, por golpe de magia, sem ter frequentado as aulas nem prestado exames que comprovem a aquisição dos conhecimentos mínimos necessários. O processo consiste em fazer equivaler experiência de trabalho a diplomas no sistema de educação formal. Mas isso é inaceitável. Não se nega a importância da experiência. Em muitos aspectos, ela tem uma importância superior à da educação formal. No entanto, uma coisa não é conversível na outra. A educação, por si só, não dá experiência e a experiência não dá educação formal. Se não fosse assim, então qualquer licenciado, por exemplo, poderia ir a um Centro Novas Oportunidades e pedir para converter em experiência empresarial os anos que passou na universidade. Isso é um absurdo, como é óbvio. A “certificação de competências” assenta neste absurdo equívoco. Ela é apenas uma fábrica de diplomas que nada traz aos novos diplomados - para além de um pouco de auto-estima - e que conduz à desvalorização dos diplomas no mercado.Os recursos gastos neste processo de certificação deviam ser antes alocados à verdadeira criação de novas oportunidades. Isso não se faz com conversões mágicas de alhos em bugalhos, mas antes com boa formação profissional, de tipo especializado e não generalista, nas áreas de maior empregabilidade. Um outro exemplo do desprezo governativo pela educação formal é o regime de acesso ao ensino superior para maiores de 23 anos (substituindo os chamados “exames ad hoc”). No novo regime, basta ter a idade adequada e passar por uma selecção extremamente simplificada (uma entrevista e uma prova que pode ser teórica e/ou prática) para aceder ao ensino superior, independentemente da formação de base. Assim, um aluno que não estude e não se esforce pode reprovar várias vezes no secundário e, com 23 anos, entrar tranquilamente na universidade.O espírito deste regime de acesso tem o mesmo cunho da “certificação de competências” acima referida. Trata-se, basicamente, de fazer assentar a entrada no ensino superior num acto de magia que, em última instância, constitui uma fraude feita às práticas instituídas e universalmente aceites.Devia-se aceder ao ensino superior depois de completar o ensino secundário e em função das classificações obtidas por essa via e nos exames específicos. Para aqueles que o não puderam ou não quiseram fazer existe o ensino recorrente. Também deveria haver ensino à distância, através de uma plataforma de ‘e-learning’. Para além disso, os maiores de 23 anos deveriam ter acesso à chamada “extensão universitária”, como existe em outros países, com a possibilidade de frequentarem disciplinas que lhes interessam, mas sem por isso estarem integrados num programa de licenciatura. Os dois exemplos dados são casos gritantes – mas de forma alguma os únicos – do desprezo governativo pela educação formal. Julgo que este aspecto da política do Governo é muito mais gravoso do que todas as razões que levam, esta semana, milhares de professores dos ensinos básico e secundário para a rua. Os professores não deviam recusar uma avaliação que, tendo embora muitos defeitos práticos, é a melhor via para a valorização das suas carreiras e da própria educação formal. Os professores também não deviam protestar contra a reforma do modelo de gestão das escolas. A famosa “gestão democrática” foi uma das responsáveis pela degradação da qualidade do sistema e tem de acabar – e quanto mais depressa melhor. Como os exemplos acima dados patenteiam, o Governo errou muito em matéria de educação, com responsabilidades repartidas entre o ministério de Maria de Lurdes Rodrigues, o do Trabalho e o do Ensino Superior. Mas, em todos esses aspectos, passou impune. A ironia da história consiste no facto de o Governo estar agora a ser politicamente penalizado por aquilo em que acertou e não por aquilo em que errou.
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