No âmbito do Laboratório de Avaliação da Qualidade Educativa (LAQE), estrutura funcional do Centro de Investigação Didáctica e Tecnologia na Formação de Formadores (CIDTFF) da Universidade de Aveiro, foi criado, em Março de 2007, o presente blogue onde são colocadas, notícias da imprensa da área da Avaliação Educativa. Esta recolha tem como principal finalidade avaliar o impacte, nos mass media, das questões de avaliação educativas.

"Escolas recebem uma autonomia sob suspeita"

09.02.08, Diário de Notícias

Educação. O prazo de discussão pública do novo regime de autonomia e gestão das escolas chegou ontem ao fim, mas o dossiê continua. Em diálogo com o DN, João Barroso, especialista em Ciência da Educação, explica porque considera que a reforma proposta não faz sentido nesta altura
O prazo de discussão pública do projecto de decreto-lei sobre a Autonomia, Administração e Gestão das escolas públicas chegou ontem ao fim, mas a polémica em torno desta iniciativa da tutela está longe de ter ficado resolvida. O reforço do papel da comunidade, nomeadamente dos pais, na vida da escola, foi bem acolhido. Mas há questões como a imposição de uma chefia unipessoal nas escolas, traduzida na figura do director, a limitação do papel dos professores no novo órgão fiscalizador, o Conselho Geral, e a própria oportunidade da legislação, que mereceram muitas críticas. Em conversa com o DN, João Barroso, especialista em Educação da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Lisboa, explica porque considera que o Governo deveria prolongar o debate sobre este tema antes de avançar com a nova lei.A legitimidade.
É ou não justificada a necessidade, defendida pelo Governo, de mexer nas regras de gestão e autonomia das escolas?
João Barroso entende que não. "Não se percebe o sentido e a oportunidade desta iniciativa", afirma. "Em primeiro lugar não há nenhuma explicitação, mesmo no preâm- bulo do projecto de decreto- -lei, quanto à urgência da alteração. Por outro lado, as razões válidas apontadas, como a necessidade de reforçar o papel da comunidade nas escolas, poderiam ser resolvidas com ajustamentos à legislação existente." O professor universitário refere-se ao Decreto-Lei 115A/98, sobre a autonomia das escolas, "cuja aplicação, até à data, se resumiu à celebração de contratos de autonomia com duas dezenas de estabelecimentos".A actualidade.
Pode considerar-se que a generalidade das escolas funcionam bem?
Para João Barroso, o problema de fundo da proposta da tutela é precisamente o facto de "não haver uma avaliação criteriosa" da realidade do sistema que a sustente. Porém, frisa, os poucos elementos existentes estão longe de acompanhar a tese desenvolvida pela tutela de que é preciso mexer no modelo em vigor. "A própria Inspecção- -Geral da Educação, na apreciação que fez a uma centena de escolas em 2006/07, atribui a mais de 90% dos estabelecimentos uma classificação de 'Muito Bom' ao nível da autonomia e gestão, e dá a mesma nota a 80% das escolas no campo da liderança." O especialista lembra ainda que, no que às escolas diz respeito, "as críticas que têm surgido ao longo dos anos não se prendem com o sistema de gestão, mas precisamente à quase inexistência de contratos de autonomia".
Autonomia versus fiscalização.
Maior poder implica maior responsabilização?O projecto de decreto-lei atribui às escolas um conjunto de liberdades, ao nível da gestão dos seus recursos físicos e humanos e da condução dos seus projectos educativos que, anteriormente, estavam em muitos casos sujeitas ao "crivo" das direcções regionais e nacionais da Educação. Porém, a tutela passa também a ter novos poderes sobre o que se passa no interior da escola. O director é disso o exemplo mais claro. A sua eleição, para um mandato de três anos (pode ser reconduzido até duas vezes), é feita pelo conselho geral, mas apenas toma posse perante o respectivo director regional de Educação. E o ministro da tutela mantém a possibilidade de o exonerar do cargo. Para João Barroso, este tipo de ressalvas sugere que o que a tutela está a dar às escolas é "uma autonomia sob suspeita. Entende-se que se deve reforçar a autonomia de gestão das escolas, mas está sempre implícito o medo de que a escola e os seus actores não consigam cumprir as tarefas que lhes são confiadas". Para o professor universitário não faz sentido que "por um lado se esteja a reforçar o papel da comunidade no conselho geral e por outro se lhe retirem competências".Direcção unipessoal.
É preciso ter um líder mais forte para se lhe exigir resultados?
O fim das direcções colegiais, através dos conselhos executivos, é um dos marcos mais emblemáticos da proposta do Governo. A partir de agora, caso a legislação entre em vigor, a gestão da escola assume um carácter unipessoal, centrado na figura do director, que acumula ainda funções como presidente do conselho pedagógico. A proposta justifica a medida com a necessidade de reforçar a "liderança" de quem dirige, para que este possa ser responsabilizado pelos seus actos. João Barroso considera "antiquado o discurso do reforço da liderança" e, mais uma vez, considera que "não há qualquer evidência nos estudos nacionais e internacionais de que o actual sistema seja impeditivo da responsabilização dos líderes".Sobre o reforço do poder dos pais e o enfraquecimento dos professores...A presença de pelo menos 50% de representantes da comunidade (pais, autarcas) no conselho geral das escolas é vista como um "sinal positivo" por João Barroso, que considera que as escolas só têm a ganhar com esse envolvimento. Porém, avisa, "não basta fazer um decreto-lei" para conquistar os encarregados de educação para a escola. "O problema do envolvimento das famílias é de todos os países, incluindo aqueles, como o Reino Unido, onde há uma tradição muito maior nessa matéria. É importante que o Estado o diga. Mas levar as pessoas a assumirem esse papel leva tempo e consegue-se com incentivos que as levem a sentir o interesse e a utilidade da sua participação." Por outro lado, o professor universitário considera "um absurdo total e até uma desconsideração e provocação" proibir os professores de se candidatarem à presidência deste órgão. "Os elementos do conselho geral devem poder escolher entre si quem os deve liderar. Não faz sentido que alguns dos seus elementos possam ser impedidos de ser presidentes."

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