Bolsas, concursos, falta de subsídio de desemprego e… teses de dúvidas
14 de Maio de 2007, O Primeiro de Janeiro
Os professores do ensino superior que foram dispensados das suas funções não têm direito ao subsídio de desemprego. Uma situação que está a afectar milhares de docentes, como tem vindo a alertar o sindicato nacional do ensino superior. O ministério tem conhecimento do que se passa, mas a resolução do problema parece estar remetido para as “calendas gregas”. Maria José GuedesComo se costuma dizer, a estória se não fosse trágica era hilariante. Os professores do ensino superior, quando são dispensados dos serviços, não têm, alegadamente, direito o subsídio de desemprego.Ricardo Oliveira tem 51 anos, é ex-delegado do Sindicato Nacional do Ensino Superior na Universidade do Algarve, Doutorando e Mestre em Economia, e está no desemprego há 15 meses. 15 meses sem rendimentos porque não tem direito ao subsídio de desemprego, como lhe disseram na Segurança Social. Mariano Gago, ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, não estando alheio ao problema, e para o tentar minimizar, isto é ajudar financeiramente os docentes dispensados, anunciou a criação de bolsas de formação científica com candidaturas a partir de Janeiro de 2007. Mas nesta altura já centenas de professores estavam com contratos não renovados, e claro sem quaisquer rendimentos. Ao que o JANEIRO conseguiu apurar, até hoje ninguém recebeu dinheiro da bolsa. A Assembleia da República, o Conselho Nacional de Educação, o Conselho Nacional de Avaliação do Ensino Superior, o CRUP, Primeiro-ministro e Presidente da República, bem como outros poderes têm sido alertados para este cenário, mas as respostas continuam a tardar. Concursos dúbiosA situação torna-se alarmante quando professores e sindicato levantam dúvidas e apontam o dedo à falta de clareza de como também têm decorrido os concursos. Recordando as palavras de Mariano Gago em 26 de Maio de 2005, quando era questionado sobre a transparência dos concursos, a resposta foi assim: “é preciso saber o que aconteceu nos concursos dos últimos anos: Quem foram os candidatos, quem foi provido, quem era o júri, para podermos ter elementos de informação e de auto-controlo, um mecanismo regulador que impeça ou dificulte a tendência de muitas instituições de preservarem os lugares para os da casa”. E num debate alargado na RTP, acrescentou: “os candidatos têm também de acreditar… que os júris serão mais isentos no futuro e aqueles que são de fora têm também lugar dentro, que não está pré-determinado à partida quem é que tem os lugares. Fizeram as universidades um exame de consciência, a verificação de todos os concursos dos últimos 10 anos e verificaram que em regra, em regra, em media na Universidade portuguesa quem acede ao lugar é quem já estava na Universidade? Que os outros nem sequer concorrem? Eu sei que há excepções. Excepções brilhantes. … Há excepções em todas as universidades em certos departamentos, mas o meu problema não são as excepções. O meu problema é a regra, e a regra é que ainda há muito que fazer nessa matéria. É muito mais difícil a um doutorado que esteja no estrangeiro conseguir lugar numa universidade portuguesa do que aquele que está cá.É muito mais difícil a um que está fora duma universidade relativamente a um que está dentro….Eu sei que tudo isto tem de ser mudado. Tudo isto será mudado durante o ano de 2007. Muitas coisas que estão mal, podem-se fazer com o actual Estatuto da Carreira Docente”.Só que 2007 já está com cinco meses passados e a situação teima em continuar. O professor Ricardo Oliveira, que leccionou na Universidade do Algarve e Inst. Sup. Paços de Brandão, ISMAT, ISMAG, ISHT, ao todo 23 disciplinas nas áreas da gestão, economia e turismo foi dispensado há 15 meses da Universidade do Algarve, vendo-se assim no desemprego. Sem qualquer perspectiva para um novo trabalho e sem outra fonte de rendimentos teve de recorrer a familiares para poder sobreviver, porque de concursos, parece estar “condenado a injustiças”, como garante. “Estive presente em 5 concursos: 2 para vaga e 3 de substituição (de licenciados). Nos concursos para substituição (de ex-alunas licenciadas, Georgette Andraz e Telma Correia) ganhei-os com larga vantagem. Nestes concursos, foi considerado o critério “Mestrado“. Nos outros 2 concursos, fui eliminado de forma discriminatória e estranha, pois a Parte Curricular do Mestrado bem como a Tese de Mestrado já entregue (no Concurso Marketing) e o grau de Mestre (no Concurso Finanças), não foram considerados. Também a minha vasta experiência empresarial, trabalhos de investigação e experiência de docência, foram ignorados ou sub-avaliados nalguns critérios. A evidência empírica confirma”. E para que não haja dúvidas, o professor resolveu apresentar os factos: “Concurso de Assistente para a área Científica de Gestão, Grupo Disciplinar de Marketing. Carta da ESGHT, de 23.10.98, com os resultados. a) Critério: Classificação académica; António Raiado:15; Ricardo Oliveira: 15. E a licenciatura? De que área é a licenciatura? Este ponto é muito importante porque quem ganhou o concurso é licenciado em Engª Civil pelo IST (U. Técnica de Lisboa). Estranho! Aceitarem uma licenciatura em Engª Civil para uma vaga de Marketing, área Científica de Gestão? Estranho é um candidato que ficou em 4º lugar neste concurso, ter apenas 12 na licenciatura e dos 15 candidatos na lista final, 5 terem nota inferior a 14. A candidata que ficou em 3º lugar por exemplo, teve 13. Estranho, porque na generalidade dos concursos públicos para leccionar em universidades a nota mínima é 14 valores. Aqui, tudo se permite. Este critério “Classificação académica“ não inclui a classificação da parte académica de Mestrado ou uma tese já aprovada e entregue a aguardar defesa? Não são habilitações académicas? A parte Curricular dum Mestrado com 10 disciplinas e que confere o título de Especialização não é habilitação académica? Pergunto: Então, o que é? Aqui, não foram consideradas nem a Parte Curricular nem a minha Tese de Mestrado, na altura, já entregue à Presidente da EEG da U. Minho e a aguardar defesa, ocorrida em 25.11.98, 1 mês depois. Também não foram considerados diversos Trabalhos de Investigação na U. Minho. Mas grave, grave, é o facto de quem ganhou o concurso, António Raiado Pereira, ser licenciado em Engª Civil! Estranho. Um licenciado em Engª Civil candidatar-se a uma vaga na área disciplinar de Marketing e ganhar o concurso passando por cima de um dos melhores CV da Escola (assim ouvi do Presidente Santana Fernandes e da sua Vice, Cidália Correia, no momento da minha apresentação na ESGHT). Como é possível isto? Algo de absurdo e grave se passou neste concurso público da ESGHT. A investigação deste concurso é imperiosa. Algo de estranho e absurdo se passou. b) Critério: “Habilitação ou frequência de cursos de pós-graduação na área ou área afim daquela em que é aberto concurso”, António Raiado: 5 Ricardo Oliveira: 0. Então a parte curricular do meu Mestrado em Economia Industrial e da Empresa não é habilitação de uma pós-graduação afim daquela em que é aberto o concurso? A Economia da Empresa não é afim do Marketing? A Economia industrial (cujo paradigma é Estrutura-Conduta-Resultados) também não? Estrutura de Mercado (os agentes que competem, que disputam a quota, …), Conduta (o comportamento dos agentes em contextos de rivalidade, concorrência perfeita, oligopólio,…) e Resultados ( os indicadores: Quota Mercado, …), não são afins da área de Marketing? Então pergunto: O que é ser afim?E a minha tese de Mestrado com a variável explicativa “Quota de Mercado” (uma das 3 variáveis), desenvolvida em dezenas de páginas, não é habilitação afim a Marketing?Estranho? Muito estranho? Será que quem decidiu conhece com alguma densidade a área de estudo, a abrangência, o paradigma e a metodologia da Economia Industrial (ou dos Sectores) e da Economia da Empresa? Certamente aqui houve erro de avaliação, caso contrário, a tese teria sido considerada habilitação afim de Marketing, pois as áreas de estudo comuns, as interacções e as intercepções são muitas e diversificadas. O meu problema na altura foi isolar a Quota de Mercado num contexto de concorrência aberta e grande rivalidade. Pergunto: Porque não consideraram “habilitação afim a Marketing” a vasta Formação nesta área que eu adquiri ao longo de 17 anos como membro da equipa de Marketing da Nestlé, considerada a melhor do país (anos 80)? Pergunto: formação empresarial em Marketing, ao mais alto nível, não é “habilitação afim a Marketing“? Estranho. Isto é muito estranho!É importante que se faça uma averiguação do que se passou.c) Critério: experiência de Ensino na área em que é aberto concurso. António Raiado: 15 ; Ricardo Oliveira: 0. Quase a pontuação máxima!Experiência de ensino de Marketing aonde? Numa Universidade? Qual? Com uma lic. em Engª. Civil? Gostaria de saber qual a Universidade que admitiu este docente?E quem licenciado em gestão, trabalhou durante 18 anos no Marketing da Nestlé, TecMinho, etc e deu Formação a colaboradores? Não conta? Formação não é Ensino? Estranho! Muito estranho! d) Experiência profissional, técnica e científica. António raiado: 10; Ricardo Oliveira: 20; Mal seria se não tivesse 20.e) Critério: realização de trabalhos de investigação. Nota: O critério é abrangente: não refere a área de Investigação. António Raiado: 10; Ricardo Oliveira: 0Brinca-se com a Investigação!O Engº Raiado, lic. em Engª Civil, tem 10 pontos e eu com a Tese entregue e com vários trabalhos de investigação na EEG da U. Minho, sob a orientação da Presidente Prof. Margarida Proença (autoridade reconhecida da Economia Industrial e da Empresa em Portugal), tenho 0? (…) Pergunto: isto não é investigação? Então o que é? Porque tive zero neste critério?” Perguntas ainda sem resposta por parte dos órgãos competentes e que tiveram acesso a estas interrogações. Perguntas que, via mail, e carta registada, chegaram ao Ministro da Ciência Tecnologia e Ensino Superior, mas o silêncio continua. Ricardo Oliveira recorda conversas anteriores com o Presidente do CD da ESGHT/U. Algarve, com o CD da ESGHT, e-mails dirigidos ao ex-reitor, Prof. Adriano Pimpão em Fevereiro último, uma intervenção de fundo no Conselho Científico, além de outros e-mails endereçados a responsáveis, todos aguardando resposta (excepto os do Sr. Presidente da República, do Sr. Primeiro Ministro e dos Presidentes dos Grupos Parlamentares). Considera o professor que “é meu dever como cidadão e político, informar Sua Exª, Doutor Mariano Gago, sobre alguns episódios “estranhos” que conduziram a que, hoje, com 50 anos de idade, eu esteja nesta situação de desespero e desemprego, sem subsídio. Neste momento não tenho qualquer rendimento nem qualquer Segurança Social. A ausência de uma política de Gestão de Recursos Humanos na ESGHT, cuja responsabilidade é de quem a dirige, designadamente o seu Presidente do CD, Ludgero Sequeira, é a meu ver, a responsável pelos despedimentos que se têm verificado na instituição, criando situações graves de exclusão social e até de fome. Despedimentos que se poderiam ter evitado, se a justiça e o bom senso prevalecessem. Esta carta é também um desabafo e um grito de revolta de um homem que tanto lutou e trabalhou na vida ( licenciei-me 5 anos a trabalhar e a estudar ) para aos 51 anos chegar a este ponto. A situação leva-me a citar nomes, e situações privadas. Mas a verdade terá de prevalecer, doa a quem doer. Menciono aqui também a situação de outra docente despedida no mesmo dia, 31.01.2006, Guilhermina Escobar, 53 anos, divorciada e com uma filha de 17 anos a seu sustento, ter chegado a passar fome durante uma semana, porque não tinha nada em casa, confidenciou-me ela ao telefone, desesperada. Uma vergonha para o Ensino Superior Português! Fome! Despedir pessoas, com 50 anos ou mais e 7 de competência, talento e empenho, sobejamente reconhecidos pelos ex-alunos e colegas.” A indignação deste docente do ensino superior, que se alarga aos que estão na mesma situação de leva-o a questionar a transparência dos concursos públicos.”Concursos públicos devem ser limpos, éticos, com base na competência e na não discriminação das pessoas, conforme sugere a lei. Deve existir igualdade de oportunidades. Não vale a pena esconder o sol com a peneira“, como diz o ditado. O favoritismo dos mais diversos tipos inquinam os concursos, devido à sua escassez. Para mal do Ensino Superior, é bem conhecido o termo “Concurso à medida”. A extensa carta enviada a todos os órgãos competentes, termina assim “O que eu peço é que seja feita justiça e que eu hoje, com 51 anos, desesperado, desempregado, sem subsídio de desemprego e sem Assistência Social, possa em breve ser reintegrado na Universidade do Algarve ou noutra Universidade portuguesa.” Também o Presidente do Instituto Politécnico de Viseu alertou os conselhos científicos das diversas escolas para a necessidade de, em matéria de gestão de pessoal docente, e designadamente em matéria de concursos, as unidades orgânicas não mudarem de critérios “consoante a conjuntura do momento e sem preocupações de colocar todos os professores no mesmo patamar de justiça absoluta e relativa” no sentido de se evitar “um mal - estar institucional gerador de comportamentos menos correctos, em que se enquadra, não raras vezes, a suspeita”. Neste contexto, definiu, entre outros critérios, que nos concursos, fosse dada, como critério geral, preferência aos docentes doutores. Perante a notícia intitulada “Mais um daqueles concursos” publicada em www.snesup.pt e relativa ao concurso aberto pelo Edital 252/2007, o Prof. Doutor João Pedro de Barros enviou ao SNESup, uma mensagem, reproduzida infra, em que não poupa palavras : - “ situação cientificamente incorrecta”, - “moralmente abjecta “ - “eticamente reprovável”. As denúcias de situações estranhas não se limitam aos concursos públicos, nem às bolsas, chegam aos despedimentos mal explicados e “arranjados”. Ao JANEIRO Ricardo Oliveira forneceu documentação, a exemplo esta carta que se reporta ao caso “Tomé, 58 anos, veterano da ESGHT / UALG e cabala que os donos da ESGHT e afilhada lhe fizeram, promete. a guerra ainda não começou.Ele sabe demais. Este é que sabe tudo.” A carta do despedido professor José Tomé. “ Fui agora confrontado com uma versão interessante da minha não renovação. Diz-se junto dos docentes que os alunos se queixaram de mim. É uma enorme mentira mas apetece-me perguntar umas quantas coisas. A ser verdade, disso não me dado conhecimento para me poder defender. Mas... não é verdade. Quereriam questionar... Eu ter ensinado algo mal? Por exemplo a determinar coeficientes de imputação de Matérias-Primas? Houve quem o fizesse e é grave... -Não saber ler acetatos carregados de texto? Nem sequer os faço...- A desinflaccionar incorrectamente taxas de juro? -A alterar o conteúdo de testes para facilitar os meus alunos? Houve e há quem o faça...-A fornecer formulários durante os testes? Estavam por mim proibidos.-A insultar os alunos, chamando-lhes burros e atrasados mentais? Não uso essa linguagem... -A fazer aulas de 45 minutos em vez de hora e meia? Há quem o faça. -A não visitar sequer os estagiários? Há quem nem os conheça...-A dar notas estilo totobola? Não jogo nessas apostas...-A não ser capaz de tirar dúvidas aos alunos quando as colocaram? Não fui eu... e nunca me aconteceu não ser capaz no momento caso contrario iria estudar o problema e encontrar a solução.-Por não identificar os autores quando refiro livros? Passa-se pág do meu livro sem me identificar e fazendo crer que são dos intelectuais que as passam. Roubo diria eu. Então o que foi? Apenas uma coisa para justificar o injustificável.”O PRIMEIRO DE JANEIRO enviou um pedido de esclarecimentos sobre estas questões para o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, aguardando a resposta.
14.5.07
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