No âmbito do Laboratório de Avaliação da Qualidade Educativa (LAQE), estrutura funcional do Centro de Investigação Didáctica e Tecnologia na Formação de Formadores (CIDTFF) da Universidade de Aveiro, foi criado, em Março de 2007, o presente blogue onde são colocadas, notícias da imprensa da área da Avaliação Educativa. Esta recolha tem como principal finalidade avaliar o impacte, nos mass media, das questões de avaliação educativas.

O ensino superior dos primórdios do século passado aos nossos dias

Rui Batista
“O verdadeiro progresso democrático não é baixara elite ao nível do povo, mas elevar o povo ao nível da elite”.Gustave Le BonPara
Uma análise do que se passa no actual ensino superior nacional é mister caracterizar a sua evolução em três períodos distintos:
1.ª - Até 1911 (data da criação da Universidade Clássica de Lisboa e da Universidade do Porto) coexistiam escolas superiores, v.g., Escolas Médico-Cirúrgicas e Curso Superior de Letras, com a única universidade de então, a de Coimbra.
2.ª - A partir de 1911, a par das três universidades referidas acima, existiam, segundo o Decreto n.º 36.507/47, de 17 de Setembro, duas escolas superiores militares - Escola do Exército e Escola Naval - e três civis: Instituto Superior de Estudos Ultramarinos, Instituto Nacional de Educação Física e curso de Arquitectura de Lisboa, com assento na Universidade Técnica de Lisboa (criada em 1930), respectivamente, em 61, 75 e 79. Neste último ano é integrado, também, o curso de Arquitectura da Cidade Invicta na Universidade do Porto.
3.ª - Nos anos sequentes ao 25 de Abril, assistiu-se a um verdadeiro boom com a criação em catadupa de universidades e instituições de ensino politécnico estatais e privadas.Em 1979, é instituído o ensino politécnico que deu azo à transformação, por exemplo, dos cursos médios dos Institutos Industriais em Institutos Superiores de Engenharia e das Escolas do Magistério Primário e de Enfermagem, respectivamente, em Escolas Superiores de Educação e de Enfermagem. Este subsistema binário do ensino superior (sendo o outro o ensino universitário) tinha como destino inicial a instalação em cidades carecidas de ensino universitário. Mas logo se instalou, de armas e bagagens, em Lisboa, Porto e Coimbra, caindo, assim, por terra esta louvável intenção, como outra não menos importante para o desenvolvimento dessas regiões: ser o ensino politécnico um ensino de curta duração e de carácter profissionalizante.Simultaneamente e em cascata, surge o ensino superior privado (em força a partir da década de 80, pela mão do então ministro da Educação Roberto Carneiro). Através de umas tantas dessas instituições universitárias (v.g., Moderna, Independente e Internacional) tem ele agora andado nas bocas do mundo, nas páginas dos jornais e nos écrans da televisão, nem sempre pelas melhores razões. Em abono da verdade, nada disto se passou sem a responsabilidade dos diferentes partidos políticos tutelares da pasta da Educação, embora tenham sido alertados para este statu quo de que eram previsíveis os funestos efeitos.A título de exemplo, em tempos, escrevia um professor da Universidade Católica, de seu nome Sérgio Rebelo, com cáustica ironia: “Onde antes havia uma pastelaria ou uma pequena mercearia, hoje “tende a haver ma universidade ou uma escola superior, onde ontem se compravam pastéis de nata e garrafas de groselha, hoje conseguem-se licenciaturas e mestrados e encomendam-se doutoramentos” (Revista Exame, 4 de Novembro de 1996). Este incontrolado crescimento do ensino superior privado, necessita de uma terapia de choque para que possa sobreviver com alguma dignidade a um estado comatoso provocado pela escassez de candidatos à sua frequência. Nunca de um unguento, destinado ao tratamento de uma simples borbulha, espalhado numa carne em adiantado estado de gangrena!Mas pior do que a doença foi procurar a cura na permissão do respectivo ingresso a maiores de 23 anos, “independentemente das habilitações académicas”, com o argumento de Mariano Gago de se tratar de “um passo para a democratização do sistema de acesso ao ensino superior!” E, desta forma, se chama democratização a uma forma de desrespeito pelo esforço daqueles que cumpriram um percurso académico culminado com o exigente 12.º ano do ensino secundário ou daqueles que em esforço pessoal se tornaram em verdadeiros autodidactas capazes de satisfazerem a seriedade do antigo exame ad hoc.Falemos claro! Em primeiro lugar, esta candidatura (que tenho como verdadeiro salto de canguru na ultrapassagem de normativos curriculares!) atenta contra o desenvolvimento científico, social e económico do País que deve assentar numa séria formação académica dos seus cidadãos do ensino básico ao ensino universitário. Em segundo lugar, é uma maneira de lançar fornadas de “licenciados” para um mercado de trabalho mais carenciado da força de uma mão-de-obra com know-how do que, na circunstância, de um simples diploma de ensino superior que pouco deverá acrescentar em termos de competência profissional e, muito menos, de cultura geral. Em terceiro lugar, tem - isso sim - como finalidade combater o decréscimo crescente de alunos de posse do 12.º ano que demandam o ensino superior, assistindo-se, desta forma, ao primado da quantidade em detrimento da qualidade de uma clientela que satisfaz, com sacrifício das magras bolsas, o rendoso negócio de umas tantas escolas privadas.Por tudo isto, não me parece ser este o caminho a seguir no acesso ao ensino superior. Poderá ser o mais expedito para os alunos, o mais rendoso para as instituições privadas e o mais credor de dividendos para os políticos. Mas é, em contrapartida, o menos sério e mais penalizante para com uma sociedade maltratada pelo facto “de uma minoria intelectual, que constitui o capital de orgulho de cada nação, se ver obrigada a cruzar os braços com inércia desdenhosa ou a deixá-los cair desoladamente sob pena de ser esterilmente derrotada” (Manuel Laranjeira, o jornal portuense “O Norte”, 1908). Ontem como hoje!
*Ex-docente da Universidade do Portoruivbaptista@sapo.pt

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