Ensino superior no mercado de mercadorias
28 de Junho de 2007, DiárioEconómico.com
Os defensores do mercado internacional de “produtos do conhecimento” querem o Ensino Superior tratado como as bananas ou o cacau. Manuel Gonçalves da Silva
Não é certamente ceder ao espírito polémico diagnosticar que reina sobre a escola a mais inquietante confusão dos espíritos. J.C. Milner Alvíssaras para o Ensino Superior – o ministro informou que não gosta de “melaço”, a TV mostrou e soube-se o motivo: atrasa decisões. O anúncio dá esperança de que os recursos que mantém na gaveta sem resposta, com grave prejuizo para Universidades Públicas e alunos, vão sair do melaço ministerial.Entretanto, inquéritos a Universidades privadas, projectos de lei obrigando as Ordens a inscrever qualquer detentor de curso sem exame e obrigando a diferente gestão universitária prometem debate, a que aqui se acrescenta o”Ensino Multinacional” e a mercantilização do Ensino Superior. Apesar do Fundador da maior Universidade privada do Brasil afirmar que “...a ignorância pode ser uma opção que tem que ser respeitada” descarta-se o conceito e reabre-se a análise do último tema.Cursos como cacauO ensino diz-se multinacional se prestado num país por instituição estrangeira. Tipicamente o plano escolar, conteúdos, docentes e requisitos são definidos na Austrália, no Reino Unido ou nos USA e o “produto” vendido em país menor, sem investimento em investigação e sem participação local nas decisões científicas. A doutrina de não investigação é, aliás, comum em Universidades privadas dos países recipientes. O mesmo pensador explicava: “As pesquisas não valem nada. A gente olha todo mundo fazendo tese, pesquisa e tal, mas não tem nenhuma sendo aproveitada. É uma inutilidade pomposa, uma perda de tempo federal. As faculdades não fazem pesquisa porque não querem jogar dinheiro fora”A comercialização do Ensino Superior por “empresas de educação” que se denominam Universidades assenta na visão de que se trata de serviço que beneficia indivíduos e tem natureza de transacção comercial. Os defensores do mercado internacional de “produtos do conhecimento” querem o Ensino Superior tratado como as bananas ou o cacau e sujeito às regras definidas na WTO (World Trade Organization) e pelo General Agreement on Trade and Services.Eis os objectivos segundo P. Altbach do Boston College:”... A WTO garantiria que instituições académicas ou outros fornecedores de educação pudessem estabelecer ramos em qualquer país, exportar cursos, outorgar diplomas e certificados com restrições mínimas, investir em instituições locais de ensino, empregar docentes para ensino no estrangeiro, estabelecer cursos e treinamento à distância, etc” tudo sob regras que limitam a cooperação entre instituições, os investimentos do Estado em áreas estratégicas e os apoios ao Ensino Público.O mercado da educação é imenso. Em 2002, havia 650.000 estudantes estrangeiros nos USA. A Malásia, Singapura, Austrália, Reino Unido, Nova Zelândia e os USA olham para esta fonte de receita externa com apetência e usam as universidades multinacionais de modo agressivo. A Universidade Estácio de Sá, no Brasil, tem 47 localizações, envolvendo mais de 100.000 alunos, gigantesco orçamento e é já multinacional.Conflito entre direito a ensino e venda de produto.O Ensino Superior garante um direito básico de acesso à instrução e à informação e há um conflito grave quando se considera como produto comercial subordinado à WTO, esquecendo aspectos socio-económicos e papel cultural. A educação deve permitir uma visão crítica da sociedade, não se limitando à adaptação do aluno ao que existe, enquanto a visão mercado-dependente é redutora, visa o mercado consumidor, é acrítica do ‘status quo’. Esmagamento orçamental, deslumbramento com o estrangeiro e atribuição distorcida de recursos para cursos que não servem o país ilustram procedimentos que fortalecem a posição dos que conhecem o custo de tudo e o valor de nada, vendem cursos caixa preta e querem impor a sua aceitaçãoUniversidades públicas e docentes que se concentram em “prestações de serviços” comerciais, bem ou mal disfarçadas de I&D, comprometem a sua missão, a qualidade do ensino e os argumentos aduzidos e têm que ser reconduzidos ao contrato social que os suporta. O problema merece debate político e decisões sensatas antes de ser irreversível. A sociedade nacional não pode demitir-se.
Manuel Gonçalves da Silva, Professor catedrático da Faculdade de Ciências e Tecnologia da UNL e membro do painel Ciência e Sociedade
28.6.07
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