No âmbito do Laboratório de Avaliação da Qualidade Educativa (LAQE), estrutura funcional do Centro de Investigação Didáctica e Tecnologia na Formação de Formadores (CIDTFF) da Universidade de Aveiro, foi criado, em Março de 2007, o presente blogue onde são colocadas, notícias da imprensa da área da Avaliação Educativa. Esta recolha tem como principal finalidade avaliar o impacte, nos mass media, das questões de avaliação educativas.

Que Ensino Superior para o Séc. XXI?

13-10-2007, O Primeiro de Janeiro

Onze Teses sobre o Ensino Superior em Portugal e no Espaço Lusófono( *) Fernando dos Santos Neves*
1. O Ensino Superior deverá ser considerado, nos alvores do século XXI, como a “instrução” ou a “educação” ou a “alfabetização” ou a “literacia” própria do nosso tempo, à semelhança do que, noutros tempos, foi considerada a “escola primária” e a “escola secundária”. Desgraçadamente, fazendo jus à observação de P. Teilhard de Chardin, “uma multidão dos nossos contemporâneos ainda não são modernos” e apenas cronologicamente podem dizer-se contemporâneos. E continuam a ser de permanente e premente actualidade o título da histórica conferência de António José Saraiva sobre “A Escola, problema central da Nação” ou a sentença do nunca assaz louvado autor da já semi-centenária obra “O Desporto e as Estruturas Sociais” (Edições Universitárias Lusófonas, Nova Edição): “O maior crime político deste país tem sido, porque sem escândalo nacional, o desinteresse pela educação”.
2. Consequentemente, o Ensino Superior deveria ser normal e constitucionalmente proclamado, em sentido análogo ao que noutros tempos se fez relativamente à “escola primária” e à “escola secundária”, como “universal, obrigatório e gratuito” (tal foi, aliás, o sentido provocatório da minha “opinião publicada e discursada” sobre o assunto, em que até falei, “não já de rendimento mínimo mas de habilitação mínima nacional garantida”); e a imposição de qualquer “numerus clausus”, para além de constituir um crime e um absurdo em si mesma, significa também a condenação de um País e de um Povo ao subdesenvolvimento. E toda a famigerada questão das propinas é constantemente mal posta e nunca deixará de ser uma falsa e alibista questão; mesmo do ponto de vista estritamente económico, só os míopes incuráveis é que ainda não entenderam que o Ensino Superior é o investimento mais rentável de qualquer Sociedade e a “nova riqueza fundamental das nações contemporâneas”. Como por acaso revelam as estatísticas que os Estados Unidos investem nas Universidades 3,3% do seu PIB, cerca de três vezes mais do que a União Europeia, onde, como é sabido, Portugal não se encontra propriamente nos primeiros lugares.
3. Consequentemente também, é mesmo verdade e deveria ser já para todos uma evidência que o Ensino Superior faz parte da panóplia dos direitos humanos fundamentais, contra todos os aristocratismos serôdios e elitismos provincianos daqueles para os quais democracia e qualidade aparecem como incompatíveis e não querem que todos se tornem “doutores” para continuarem eles com o exclusivo e os privilégios de “Senhores Doutores” ou, nas palavras agrestes do Ministro Mariano Gago, contra “todos os imbecis que vão continuar a dizer que há doutores e estudantes universitários a mais”. E oxalá esteja para breve o tempo em que, obviamente, não haja desempregados mas em que todos os desempregados que houver tenham o diploma de licenciatura (1º Ciclo da “Declaração de Bolonha). Nesse momento e só nesse momento, Portugal teria deixado de ser um país de analfabetos!
4. Maximamente oportuna e maximamente decisiva para o futuro da Sociedade Portuguesa é a nova filosofia de abertura das portas das Universidades a todos os candidatos com mais de 23 anos, independentemente das suas habilitações oficiais (Decreto Lei nº64/2006 de 21 de Março). Arrepiando caminho da velha mentalidade subjacente, por exemplo, aos antigos “Exames Ad-Hoc” (que visavam não a inclusão, mas a exclusão do universo do ensino superior a todos os adultos portugueses), esta legislação poderá vir a significar aquilo que já foi designado como uma verdadeira “Revolução Cultural” e como a “Hora Cairologicamente Certa da Universidade para Todos”. Juntamente com a implementação da “Declaração de Bolonha”, de que, aliás constitui elemento integrante, é uma das grandes e últimas oportunidades de as Universidades Portuguesas e, de maneira mais global, de a Sociedade Portuguesa no seu conjunto retomar os caminhos da modernidade e do desenvolvimento. Até porque, ainda por cima e ao contrário das vozes e escrita correntes, o “Panorama sobre a Educação 2007”, elaborado pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) é claríssimo: “... Portugal é um dos países onde a aposta no ensino superior traz mais vantagens financeiras. Senão veja-se: em média, um licenciado português recebe um salário 80% mais elevado do que um trabalhador que apenas completou o ensino secundário. No conjunto dos 25 países da OCDE, este valor só é superado pela Hungria e República Checa. Além disso, o relatório anual da OCDE concluiu que em Portugal 60% das pessoas que recebem salário duas vezes acima da média nacional têm uma licenciatura no currículo. Pelo contrário, os trabalhadores que apenas concluíram o ensino básico recebem pouco mais de metade (57%) do salário de quem tem o 12º ano. Ou seja, em Portugal compensa investir numa licenciatura”...
5. O Ensino Superior constitui o motor essencial da “Democracia” e do “Desenvolvimento Humano Sustentado” e nunca haverá nem “fumos da Índia” nem “ouros do Brasil” nem “impérios de África” nem “milhões da Europa” que o possam substituir (embora estes últimos possam e devam ajudar, uma vez ultrapassada a etapa que chamei a “doença infantil” ou a “interpretação provinciana” ou a “fase novorriquista e bacoca” da “integração europeia de Portugal” como, aliás, também a etapa mais recente que designei a “doença senil do anti-europeismo patrioteiro”); como espaços maioritariamente com défice democrático e sub- ou semi-desenvolvidos, os Espaços Lusófonos deveriam sentir-se particularmente concernidos e empenhados em toda esta matéria. A criação efectiva do “Espaço Europeu do Ensino Superior” (EEES) mediante a implementação (também em Portugal, mau grado todas as resistências conhecidas) da “Declaração de Bolonha” e a criação anunciada do “Espaço Lusófono do Ensino Superior” (ELES), primeiro pela minha “Declaração de Luanda” (2002) e depois pela “Declaração de Fortaleza” da CPLP (2004), poderiam vir a significar uma mudança histórica global da Sociedade Portuguesa e de todas as Sociedades Lusófonas, sobretudo quando Portugal entender que só será interessantemente Europeu enquanto plenamente Lusófono e só será interessantemente Lusófono enquanto plenamente Europeu.
6. O Ensino Superior do nosso tempo ou moderno deverá ser um ensino simultaneamente das Ciências Humanas e Sociais e das Ciências Naturais e Técnicas, numa perspectiva de confluência e de síntese do Antropocosmos e do Tecnocosmos, perspectiva que já denominei de “Antropótica” e que o Prof. Abel Salazar traduziu no programa de aplicação universal: “O médico que só sabe de medicina nem de medicina sabe”, que tem servido de paradigma à paradigmática disciplina de “Introdução ao Pensamento Contemporâneo” existente em todas licenciaturas de Humanidades e Tecnologias da Universidade Lusófona (cf. Livro “Introdução ao Pensamento Contemporâneo: Tópicos, Ensaios e Documentos, Edições Universitárias Lusófonas, 2007).Tal perspectiva pressupõe uma ruptura ou revolução epistemológica que se poderá caracterizar de primordial (REP), na medida em que é o próprio conceito de ciência que é despido de todos os monismos e totalitarismos humanistas de ontem ou tecnicistas de hoje e se abre a todas as exigências e potencialidades da interdisciplinaridade teórica e departamental.
(continua na edição de amanhã)*Reitor da Universidade Lusófona
(*) Actualização do texto inicialmente publicado em: Anuário da Educação – Que Ensino para o Séc. XXI?, 99/2000. Cf. também: “Manifesto para a Educação em Portugal”, lançado em 2002 e, de maneira mais global, Fernando dos Santos Neves et Alii, Adimplenda est Bolonia! É preciso cumprir Bolonha!, Edições Universitárias Lusófonas, 2006.

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