No âmbito do Laboratório de Avaliação da Qualidade Educativa (LAQE), estrutura funcional do Centro de Investigação Didáctica e Tecnologia na Formação de Formadores (CIDTFF) da Universidade de Aveiro, foi criado, em Março de 2007, o presente blogue onde são colocadas, notícias da imprensa da área da Avaliação Educativa. Esta recolha tem como principal finalidade avaliar o impacte, nos mass media, das questões de avaliação educativas.

Que Ensino Superior para o Séc. XXI? (II)

14-10-2007, O Primeiro de Janeiro

Onze Teses sobre o Ensino Superior em Portugal e no Espaço Lusófono( *) Fernando dos Santos Neves*
7. O primeiro projecto, em Portugal, de uma tal Universidade foi, nos anos 70, o projecto da “Universidade Nova de Lisboa”, que, por razões várias, não passou disso mesmo, de um projecto, inviabilizado e tornado velho ainda antes de nascer, não obstante as louváveis mas frustradas tentativas do Prof. Leopoldo Guimarães na Faculdade de Ciências e Tecnologia e a nova metodologia, a que desde o princípio augurei os maiores êxitos, introduzida pelo Professor Freitas do Amaral na nova Faculdade de Direito, não por acaso combatida ou simplesmente ignorada pelas outras Faculdades Jurídicas. E tal projecto novo (que não chegou a ser) era, essencialmente, o seguinte: uma Escola situada num campus, com as diversas áreas científicas estruturadas não em Faculdades autárcicas e autistas mas em Departamentos autónomos a comunicarem entre si ou seja, utilizando uma terminologia mais académica: um campus universitário, uma interdisciplinaridade científico-pedagógica, uma interdepartamentalidade institucional. Infelizmente, 20 anos mais tarde, ao enveredar por tal “novidade-modernidade”, como consta da sua filosofia e vem exarado nos seus estatutos, a Universidade Lusófona faz entre nós figura de reconhecido e muito isolado pioneirismo.
8. Também uma “Ruptura ou Revolução Epistemológica Particularmente Primordial” (REPP) é exigida, como condição sine qua non de quaisquer mudanças e reformas que valham a pena, ao nível dos conceitos e práticas dos designados “Ensino Público” (que mais exactamente se chamaria “Estatal”) e “Ensino Privado”: enquanto, por inércia de estereótipos culturais e outras razões, um OU outro for considerado como “O” ensino propriamente dito e não apenas como “um” dos ensinos ou subsistemas com igual dignidade, iguais direitos e deveres, não será possível sair das teorias e práticas consubstanciadas em instituições como o CRUP (Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas, que exclui, tranquilamente, as Universidades Privadas como se estas não fossem Universidades e como se não fossem Portuguesas) e outros organismos oficiais (que, de maneira anti-constitucional e anti-Declaração Universal dos Direitos Humanos, subsidiam ou privilegiam apenas o Ensino Superior Público e o Ensino Superior Católico, como se a totalidade dos estudantes portugueses que frequentam as Universidades Privadas não fossem, também eles, cidadãos Portugueses e não pagassem, eles ou as suas famílias, os mesmos impostos sociais). Assim, todos os estudantes deveriam poder efectivamente escolher e seguir, em condições idênticas e com idênticas facilidades económicas, o Ensino Superior Nacional (público, privado, cooperativo ou qualquer outro) por que livremente optarem, numa real “igualdade de oportunidades”. Até quando se tolerará o intolerável, quer dizer, a injustiça material e o atentado ao direito e à dignidade da juventude portuguesa? Como último mas legítimo e imperioso recurso, para que servem os tribunais, designadamente os tribunais comunitários da União Europeia?Não será que a “Educação Superior para todos” constitui um dos últimos e mais pertinentes novos nomes do “Humanismo”, do “Cristianismo”, do “Ecumenismo”, do “Desenvolvimento”, da “Democracia”, dos “Direitos Humanos”, do “Socialismo”, da “Revolução” e da “Lusofonia” do nosso tempo?
9. Escândalo máximo e particularmente intolerável é o que se tem passado e continua a passar no âmbito das Faculdades de Medicina, que, reconhecidamente sob a pressão politicamente incontrolada de poderosos lóbis, estão cinicamente a expulsar os jovens candidatos portugueses daquelas áreas reservadas, obrigando muitos deles (os que têm posses para isso) a emigrar e a ir tirar o curso de medicina nos mais diversos países estrangeiros (cf. recorrentes e justificadamente revoltadas notícias da comunicação social). Está definitivamente provado o que vale o repetido argumento de toda essa gente de que, em Portugal, “há médicos e, consequentemente, Faculdades de Medicina suficientes”, para não falar da miopia, tanto mais ignóbil quanto interesseira, de falta de horizontes europeus, lusófonos e simplesmente humanos. Quando é que, entre nós e designadamente a nível das legítimas autoridades democráticas, alguém pronunciará e praticará as invectivas de Cícero a Catilina: “Quousque tandem... Até quando continuareis a abusar da paciência dos Portugueses e de todos os Países e Povos Lusófonos?”
10. Todos estes princípios, em todos os aspectos, deveriam aplicar-se ao estranho e nada cristão caso do “Ensino Superior Católico”, que não se apresenta nem como “público” nem como “privado”, antes pelo contrário (ou seja, “concordatário”), conforme as circunstancias e conveniências; e todo o consciente ou inconscientemente fenómeno do regresso à “era de Constantino” contra a qual se insurgiu, primeiramente entre nós, o Bispo do Porto António Ferreira Gomes na célebre carta a Salazar, e posteriormente todo o Concílio Vaticano II, na proclamação de “Uma Igreja livre num Estado laico!”, além das injustiças e dos arcaismos que reflecte e reproduz, não poderá deixar de vir a dar razão às conclusões do historiador britânico A. Toynbee: “O conluio da Igreja com o Estado revelar-se-á sempre como a aliança de Fausto com Mefistófeles”! Mesmo que a ordem de aplicação dos personagens seja arbitrário e varie conforme os tempos e lugares. E mesmo que deva fazer-se justiça às “palavras” do actual Cardeal Patriarca de Lisboa, na cerimónia de investidura do actual Reitor da Universidade Católica (6/10/2004): “Não queremos nem precisamos de mais subsídios da parte do Estado, queremos apenas que o Estado subsidie paritariamente todos os alunos e todas as famílias, para que possam livremente escolher a Escola que preferirem!”
11. Até aqui já se fizeram (e continuam a fazer-se) mais que muitos discursos sobre o Ensino Superior; o que interessa, porém, é, através de um Ensino Superior, democrático mas de qualidade e de qualidade mas democrático, como o acima referenciado, transformar e desenvolver Portugal e todo o Espaço Lusófono. Pedindo vénia pela paráfrase do texto bíblico, “procurai este reino de Deus e esta sua justiça e tudo o mais vos será dado por acréscimo!”
*Reitor da Universidade Lusófona (*) Actualização do texto inicialmente publicado em: Anuário da Educação – Que Ensino para o Séc. XXI?, 99/2000. Cf. também: “Manifesto para a Educação em Portugal”, lançado em 2002 e, de maneira mais global, Fernando dos Santos Neves et Alii, Adimplenda est Bolonia! É preciso cumprir Bolonha!, Edições Universitárias Lusófonas, 2006.

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