Massificação e eficiência do ensino superior
14 de Agosto de 2007, DiárioEconómico.com
Mais propinas, menos impostos. Difícil? [...] Talvez seja útil reflectir sobre aquilo que é relativamente incontroverso entre especialistas.
Numa altura em que as instituições de ensino superior em Portugal se preparam para conviver com um novo regime jurídico que (supostamente) lhes confere mais autonomia, a reforma mais importante para a melhoria do actual estado de coisas continua intocada. Falo da revisão do actual sistema de financiamento das universidades públicas, uma estrutura demasiado dependente de transferências do orçamento de estado, insensível às necessidades específicas de cada instituição, e ineficiente nos incentivos que dissemina na selecção de cursos pelos alunos. Melhorar, neste caso, significa cobrar mais aos utilizadores. Mais propinas, menos impostos. Difícil? Talvez não.Numa matéria que, ao que parece, desperta tantos ódios quanto paixões, talvez seja útil reflectir sobre aquilo que é relativamente incontroverso entre especialistas.Primeiro, massificação do ensino superior é bom e recomenda-se. O capital humano é um factor de diferenciação da performance económica das nações cada vez mais decisivo. A disponibilidade de matérias-primas já há muito que deixou de ser essencial; o investimento doméstico, num mundo financeiro globalizado, é cada vez menos limitado pela poupança doméstica; e o desenvolvimento tecnológico tem-se traduzido maioritariamente num aumento da procura por trabalho qualificado.Segundo, num sistema de ensino superior eficiente as instituições universitárias decidem sobre o número de alunos a admitir e o montante de propinas a cobrar, e as escolhas dos alunos reflectem os benefícios que estes estimam vir a alcançar pela obtenção de um diploma - remunerações de trabalho superiores, maior satisfação laboral, mais lazer, e até (segundo estudos recentes) melhor nível de saúde. Os custos do sistema são suportados por aqueles que maioritariamente dele beneficiam (os alunos). Um nível residual de co-financiamento público é desejável por forma a reflectir os benefícios sociais que vão para além daqueles benefícios individuais - as chamadas externalidades na terminologia económica - entre os quais se contam efeitos positivos sobre o crescimento económico, coesão social, transmissão de valores e desenvolvimento do conhecimento.A fórmula de financiamento mais eficaz para se alcançar um sistema baseado nestes princípios conta já com mais de 50 anos e tem a si associada nomes tão ilustres (e ideologicamente diversos) como Milton Friedman a Nicholas Barr. No cerne da proposta está a concessão de empréstimos para estudo (incluindo financiamento de propinas e custos de subsistência) cuja amortização depende do rendimento que o titular do empréstimo vem a auferir ao longo da sua vida activa. A administração da amortização é feita pelo Estado em conjunto com os impostos sobre o rendimento ou as contribuições para a segurança social. Os custos inerentes ao risco de incumprimento por rendimentos futuros insuficientes (estimado em cerca de 15%-20% do total de empréstimos no caso do Reino Unido) são cobertos por um prémio de seguro (normalmente 2-3 pontos percentuais) sobre a taxa de juro do empréstimo (tipicamente a taxa a que o Estado se financia).A vantagem deste sistema é evidente: a amortização depende directamente da capacidade de pagamento do titular e é determinada não pelo ponto de partida (se nasceu numa família rica ou pobre), mas pelo ponto de chegada (se vem a auferir rendimento suficiente para pagar o empréstimo ou não). Desta forma, consegue-se transferir parte significativa dos custos do sistema para os seus beneficiários efectivos, sem estabelecer cedências em matéria de equidade.Num sistema deste tipo o Estado retém uma capacidade de controlo e influência importante. São-lhe confiados os papéis de co-financiador nos termos acima mencionados; facilitador da implementação do sistema de empréstimos referido; promotor activo de equidade pelo favorecimento das classes sócio-económicas mais baixas; e regulador da qualidade da prestação dos serviços lectivos, acreditando instituições, monitorizando a sua performance, e impondo a publicação dessa informação para uso dos candidatos a aluno.
Miguel Castro Coelho, Economista e ‘research felow’ no Institute for Public Research, Londres
17.8.07
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Etiquetas:
Ensino Superior
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